Inês de Medeiros não soube ser autarca, honrar e dignificar Almada e os almadenses. Por isso arrastou-se ao longo de oito anos, escorregou, deslizou e caiu nos braços do PCP, forçando os almadenses a serem novamente súbditos daqueles que haviam rejeitado em 2017 e confirmado em 2021.
Foi uma desilusão.
Uma traição aos almadenses.
edifício da cinzenta Câmara Municipal de Almada
Insere-se e divulga-se esta oportuna crónica de Pedro Ledo na Revista "SÁBADO" a propósito da "Inesperada coligação PS-CDU em Almada" após as eleições autárquicas 2025.
20 de novembro de 2025 às 07:00
"A
inesperada coligação PS-CDU em Almada: oito anos de guerra, um casamento de
conveniência.
No papel, é
uma solução que visa “estabilidade”. Na realidade, é um pacto cheio de
contradições, construído em cima de oito anos de antagonismo feroz.
Decidi
descrever este artigo de opinião, pois Almada é a terra que adotei fruto da
necessidade de acompanhar os meus Pais que estavam bastante doentes e que
acabaram por falecer. Sou de Lisboa, mas rapidamente apaixonei-me por esta
terra, uma terra de oportunidades mas pessimamente mal gerida por uma péssima
atriz que se revelou também uma péssima presidente de câmara, que vetou Almada
ao abandono, ao lixo e aos guetos e autênticas favelas que crescem diariamente.
A política
local tem destas ironias: as palavras mais duras, os confrontos mais
insistentes, as acusações mais repetidas transformam-se, um dia, em alianças
estratégicas. Almada, que durante décadas foi laboratório da esquerda municipal
tradicional, volta agora a ser palco de um exercício político que desafia a
memória recente dos eleitores: o Partido Socialista (PS) e a Coligação
Democrática Unitária (CDU) chegam a um entendimento que permitirá governar o
concelho em conjunto durante os próximos quatro anos.
Decidi
escrever este artigo em pontos, para melhor leitura por parte dos nossos
estimados leitores.
No papel, é
uma solução que visa “estabilidade”. Na realidade, é um pacto cheio de
contradições, construído em cima de oito anos de antagonismo feroz.
É esse
paradoxo – e o que ele revela sobre a forma como o poder é negociado – que
merece ser analisado a fundo.
1. O regresso da CDU ao poder: uma história que não se apaga
Durante mais
de quarenta anos, Almada foi o bastião comunista por excelência. O concelho
tornou-se, para o PCP e para o PEV, uma referência nacional de governação
local. Essa hegemonia terminou em 2017, com a vitória de Inês de Medeiros (PS),
e confirmou-se em 2021, com o PS a reforçar a sua posição e a CDU a permanecer
na oposição.
Fontes
públicas confirmam isto:
– Eco
/ Sapo: descreve Almada como “atriz principal da queda comunista” em 2017.
– Resultados
autárquicos 2021 (CNE): PS vence, CDU mantém-se afastada do executivo.
– Relatórios
municipais e imprensa local: ao longo dos dois mandatos socialistas, a
oposição comunista foi constante, intensa e altamente crítica.
Se há concelho
onde PS e CDU pareciam irreconciliáveis, era este. E isso dá ainda mais peso ao
que acontece agora.
2. Oito anos de ataques diários: a CDU e a guerra contra Inês de Medeiros
É impossível
compreender a explosão política deste novo acordo sem revisitar o que foram
estes oito anos.
A CDU não fez
oposição “normal”. Fez oposição persistente, dura, sistemática.
De 2017 a
2025, as intervenções em Assembleia Municipal, os comunicados públicos e as
posições oficiais revelam um padrão claro:
— A CDU acusou
o PS de má gestão das finanças municipais.
— Criticou a
limpeza urbana, dizendo repetidamente que Almada estava “abandonada”.
— Denunciou o
que dizia ser desorganização na gestão da frota municipal.
— Contestou
decisões estratégicas relacionadas com o território, habitação, cultura e
transportes.
— E dirigiu
críticas diretas e constantes à presidente de Câmara, Inês de Medeiros,
questionando competências, prioridades e direção política.
Estas críticas
não foram pontuais — foram a espinha dorsal da atuação da CDU durante dois
mandatos.
Está tudo
documentado nas actas da Assembleia Municipal de Almada, no Diário
do Distrito, no Almada Online, nos comunicados públicos
disponíveis no site da CDU Almada.
Por isso,
quando agora vemos a CDU a entrar no executivo liderado pela mesma presidente
que durante oito anos acusou de incompetência… a estranheza não é pequena. É
gigantesca.
É aqui que a
política local se torna laboratório da contradição.
3. O acordo PS-CDU: pouca ideologia, muita necessidade
O PS não tem
maioria.
A CDU quer
voltar à governação para recuperar influência e estrutura.
O resultado é
um pacto de interesses mútuos.
Segundo
o Diário do Distrito e o Almada Online, o acordo
atribui à CDU:
– Higiene
Urbana e Frota
– Intervenção
Social e Saúde
– Presidência
dos SMAS
– Movimento
Associativo e Casa das Associações
O PS mantém o
comando estratégico e a presidência do município, mas entrega à CDU áreas de
enorme visibilidade pública — e também de enorme risco.
Este pacto
inclui ainda:
– Garantia de
dotação orçamental reforçada para os pelouros da CDU
– Realização
de auditoria externa independente ao universo CMA/SMAS/WeMob
– Excluir PSD
e Chega da governação
É uma
engenharia política bem montada, mas assente numa relação que até há dias era
construída sobre desconfiança total.
4. O paradoxo impossível de explicar ao eleitorado comunista
Se a CDU
passou oito anos a dizer que o PS e, em particular, a sua presidente eram maus
gestores…
Se durante
oito anos acusou o executivo socialista de falta de visão, de ineficácia e de
desorganização…
Se durante
oito anos defendeu que a “herança comunista” tinha sido destruída pelo PS…
Como explica
agora aos seus eleitores que entra para governar com a mesma pessoa?
As
alternativas são embaraçosas:
Ou se
enganaram antes — e afinal o PS sabia governar.
Ou cedem agora — e
preferem o poder à coerência.
Ou estavam a
exagerar durante oito anos — e a narrativa de catástrofe era política pura.
Nenhuma destas
hipóteses é confortável.
E não há
comunicado partidário que consiga apagar o histórico da oposição comunista à
atual presidente.
5. O dilema do PS: ganha poder, mas perde narrativa
O PS também
entra neste acordo com custos.
Durante oito
anos dissera que a CDU era incapaz de aceitar decisões de modernização, que era
resistente à mudança, que bloqueava políticas importantes.
Agora aceita
entregá-la a pelouros fundamentais — alguns daqueles que foram alvo das maiores
disputas técnicas e políticas.
Para muitos
militantes socialistas, este acordo pode ser visto como:
– uma cedência
excessiva,
– um pacto
para “garantir números”,
– ou uma
jogada arriscada que pode virar-se contra o partido caso a CDU não apresente
resultados.
Há também um
ponto sensível: a CDU tem uma máquina organizada e historicamente experiente na
gestão municipal. Se apresentar resultados visíveis, reforça-se. Se falhar,
arrasta o PS na mesma queda.
6. As incoerências que nenhum dos partidos consegue esconder
A nova
coligação parte com uma fragilidade estrutural: a memória pública existe.
E Almada
lembra-se.
Lembra-se das
críticas diárias.
Lembra-se dos
confrontos públicos.
Lembra-se dos
debates em que cada partido pintava o outro como problema e não solução.
Não estamos
perante um acordo entre partidos que divergiam pouco.
Estamos
perante uma aliança entre partidos que passaram oito anos a afirmar que o outro
não tinha condições para governar.
É esse “salto”
que torna esta solução tão explosiva.
Porque se um
partido diz durante quase uma década que o outro governa mal, e depois governa
com ele, o eleitor faz uma pergunta inevitável: em que momento é que
nos mentiram?
7. A política em Almada entra numa nova fase: menos ideologia, mais táctica
Há um aspeto
estruturante que este acordo revela:
A política
local deixou de ser espaço de fidelidade ideológica e passou a ser um tabuleiro
onde a sobrevivência pesa mais do que a coerência.
Para o PS,
este acordo evita a instabilidade e impede que a direita avance.
Para a CDU,
representa a oportunidade de regressar ao terreno, recuperar estrutura e
mostrar que ainda é actor relevante.
Mas há riscos
para ambos:
– O eleitorado
pode punir incoerências nas próximas autárquicas.
– A
convivência pode ser curta se surgirem conflitos internos sobre orçamento ou
prioridades.
– A auditoria
externa, se for realmente independente, pode expor fragilidades herdadas por
ambos.
8. O que esta coligação diz sobre o futuro político de Almada
Independentemente
do discurso oficial, há três consequências que este acordo deixa claras.
Primeira:
A CDU regressa
ao poder municipal, mas regressa ferida. Volta, mas volta num pacto que
contradiz a sua própria narrativa.
Segunda:
O PS permanece
no comando, mas perde autonomia. Tem agora de dividir responsabilidade política
com quem o combateu ferozmente.
Terceira:
O eleitorado entra num novo ciclo em que os partidos dizem uma coisa durante anos… e fazem exactamente o contrário quando o poder está em jogo.
E isto tem
impacto profundo: quando a coerência política desaparece, a confiança também se
perde.
9. Um casamento sem amor, mas com necessidade
É assim que
muitos almadenses verão este acordo:
não como união
de visão, mas como casamento de necessidade.
E os
casamentos de necessidade raramente são estáveis.
Sim, podem
funcionar — se houver maturidade, transparência e resultados.
Mas podem
também colapsar rapidamente — basta que um dos parceiros recupere força e já
não precise do outro.
O futuro dirá.
Mas a história
regista:
Depois de oito
anos de ataques, críticas e oposição intransigente, PS e CDU decidem casar-se
politicamente.
O eleitorado
observará, implacável, porque nenhuma retórica consegue apagar oito anos de
memória.
Almada entra
assim numa fase fascinante: um governo de contradição, sustentado por dois
partidos que agora terão de provar — juntos — que não estavam errados durante
quase uma década inteira."

