José Correia Pires, natural de S. Bartolomeu de Messines, Algarve,viveu em Almada. Aqui o conheci, com ele e outros democratas partilhámos momentos de conversa sobre a sua vida vivida numa luta constante na clandestinidade, na prisão e em liberdade vigiada, por ideais de justiça e de humanidade que não é comum encontrar-se entre muitos homens. Em Almada, Correia Pires esteve sempre disponível, quando foi preciso colaborar com todas as forças políticas contra o regime que cerceava a liberdade aos portugueses e os oprimia. Anarquista, José Correia Pires foi homem de primeira linha na batalha contra a opressão, pela liberdade e pela solidariedade entre os homens. Foi deportado para o Campo de Concentração do Tarrafal em Cabo Verde entre 12/6/1937 e Fevereiro de 1945, onde passou várias vezes pela “Frigideira”, junto com outros companheiros. Deixou-nos um livro “Memórias de um Prisioneiro do Tarrafal, escrito em 1974, onde descreve parte da sua vida, do qual transcrevemos estes extractos:
“Por convicção e temperamento fui sempre socialmente amigo de toda a gente e, se por vezes pareço ou sou mesmo alguma coisa drástico ao que não me parece bem, a verdade é que sempre preferi exaltar virtudes a arengar defeitos. Afigura-se-me que quando aos outros atribuímos defeitos, nos possam acusar que com o facto queiramos esconder os nossos, enquanto que exaltar virtudes, mesmo que sejam nossas, a virtude é sempre virtude, propagá-la em teoria já é elevado, mas pela prática é simplesmente nobilizante.”...”Em todo este arrazoado se pode depreender que o sectarismo não é de cultivar e, se o amor às ideias se pode aceitar como princípio, o ódio ao adversário é situação que nos animaliza e apouca.”
Sobre um episódio ocorrido no Campo do Tarrafal :” A verdade, porém, é que a inflexibilidade do Partido (PC) foi sempre ao longo do tempo, expressão de intolerância e os que não acatassem as suas palavras de ordem eram votados ao ostracismo e, em tudo lhes dificultavam a vida.”
Após o 25 de Abril de 1974, sabendo que um dos seus carrascos, julgo que o Seixas, estava preso em Caxias, pediu-me se conseguiria autorização para o levar a ver o carrasco na prisão. Consegui e levei-o a Caxias. Fizeram-lhe uma recomendação: abririam a portinhola de observação, mas ele, Correia Pires não poderia dirigir qualquer palavra ao preso. Aceitou. Mal abriram a portinhola Correia Pires, conseguiu reconhecer o homem que o havia maltratado e torturado . Este imediatamente virou o rosto quando se sentiu observado. Provavelmente reconheceu o "seu" ex-prisioneiro. Reparei na expressão facial do meu amigo Correia Pires naquele importante momento da sua vida. Essa expressão não era de vingança, mas sim de satisfação por sentir, talvez, que havia sido feita justiça. Aquele que tinha sido seu carrasco finalmente já não torturaria mais ninguém. Julgo que Correia Pires nunca mais esqueceu aquele curto momento em Caxias, onde também ele esteve preso, tal qual não esqueceu os anos de sacrifício que passou longe da família, na clandestinidade e na prisão. “ Que poderei dizer dum homem irmão dos outros homens que conheceu, por vezes, a prisão, a clandestinidade, a fome e a miséria e que esteve 8 anos no campo de Concentração do Tarrafal? Sei que aos 68 anos de idade, vem contar ao povo seu amigo episódios vividos por si. Para dizer o que lutou, sofreu e sonhou. Sonhos de liberdade do seu povo real....” (do prefácio de seu Livro, do amigo A. Madeira Santos) “ O ANARQUISMO é uma doutrina que o TIRANO esmaga, mas que O JUSTO E O HERÓI praticam e a NATUREZA NOS ENSINA.” Correia Pires
José Correia Pires saiu em liberdade, no dia 9 de Março de 1945, depois de regressar à metrópole e ainda ter estado preso em Caxias uns dias.
3 comentários:
Embora singela, vejo aqui uma merecedora homenagem na NET a um homem que dedicou a sua vida a lutar contra o fascismo e todas as formas de opressão sobre a condição e dignidade do homem neste nosso Mundo.
José Correia Pires era um universalista na defesa de princípios de humanidade.
Os combatentes da Liberdade nunca morrem.
O meu Avô,João da Aroeira,privou com
este Lutador.
Que a sua Memória não esmoreça.
Tenho de lhe aplaudir este post que faz uma justa homenagem ao José Correia.
(por afinidade eu, que nunca o conheci, ou que não me lembro de o ter conhecido, considero-o da minha família. Foi compadre da minha avó materna).
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